quinta-feira, 24 de janeiro de 2013


" (...) Foi no terceiro dia de Outono que o Gato recebeu uma carta triste da Andorinha que dizia “Uma andorinha não pode jamais casar com um gato”. 



E no último dia de Outono, depois de terem percorrido “todos os lugares que haviam aprendido a amar na Primavera e no Verão”, quando a noite chegou, a andorinha disse ao gato que ia casar-se com o Rouxinol e partiu sem olhar para trás. 



Desde então, o Gato Malhado passou a andar triste e sozinho.



No Inverno, o Rouxinol e a Andorinha Sinhá casaram-se e foi tanta a tristeza do Gato Malhado, que ele decidiu caminhar até ao Fim do Mundo. Foi a última vez que se viram. 



A Andorinha deixou cair uma pétala de rosa sobre o Gato e ele colocou-a no peito, parecia uma gota de sangue."



(O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá - Jorge Amado)




«O mundo só vai prestar 
Para nele se viver 
No dia em que a gente ver 
Um gato maltês casar 
Com uma alegre andorinha 
Saindo os dois a voar
O noivo e sua noivinha
Dom Gato e Dona Andorinha» 

(Trova de Estêvão de Escuna / Ilustração de Carybé)

terça-feira, 22 de janeiro de 2013


"Carta de uma Mulher Qualquer" by Denilce Luca

“Meu querido,

Espero que esta carta lhe encontre bem e gozando de perfeita saúde...
Aqui escreve uma mulher qualquer...

Fiz tua minha vida
Fiz tua minha pele
Fiz teu cada detalhe de meu corpo
Minha alma tão nobre e altiva
Altiva porém tola
Rendeu-se à grande insídia
Dominada pelo desejo
Completamente cega fez-se escrava de meu próprio corpo

Não precisava que algo dissesse 
Sabia ler teus olhos
Preferia que não dissesse
Preferia que teus olhos o fizessem
Meus ouvidos me traíam como o resto de meu corpo por ti enfeitiçado e amaldiçoado

Não precisava de promessas
Conhecia o escuro
Conhecia o vazio
O escuro e o vazio das mentiras que me faziam sangrar

Sofria por ti e gozava contigo

Submetia-me a teus caprichos e desejos e criava em tua mente tantos outros sem que pudesses perceber...
Te fazia sorrir quando te afagava
Te fazia gemer quando te desejava
Te fazia tudo porque tudo queria
Fazia tudo porque te queria tudo
Tanto te queria porque te amava tudo...
Tanto queria e nada pedia

Entreguei-te minha alma para que brincasse
Entreguei-te meu corpo para que pudesse ter o teu

Sabia que teu corpo com outra dividia
Com força sobre-humana transformava dor em resiliência
Fitava teu olhar fingindo acreditar no que dizias  a fim de saber se já havia finalmente tua alma dominado
Por fim, dominada tua alma, teus olhos me deram a esperança de ter sido por um momento de tua vida a única
Não sabia por quanto tempo seria a única
Sequer sabia por quanto tempo viveria...

Apenas uma certeza tinha
Apenas uma verdade me restava
Que ao terminar a jornada daquela vida
Um vazio ficaria e eu nada mais teria além da dor da tua lembrança...”

Chegou finalmente o fim da jornada daquela mulher...
E quão benevolente foi o destino... deixou o vazio, mas levou a lembrança

Finda a jornada...
Finda a dor
Restou-lhe apenas o pesar de ter amado em vão...

Talvez essa carta nunca alcance seu destino
Melhor assim
Pois como ela mesma afirmou “aqui escreve uma mulher qualquer”
Que teve uma vida qualquer...
“O grande medo vem quando a sensibilidade é tão grande que os sonhos preveem a tortura da realidade. O ser humano então precisa de uma âncora para que queira acordar novamente e não pereça em agonia” 
(by Denilce Luca)


Painting: 'Dante's Dream at The Time of The Death of Beatrice' by Dante Gabriel Rossetti

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013


'On The Other Side' by Denilce Luca

'Saudade' by Denilce Luca                                         (Painting by Tomasz Rut)

E tentei escrever sobre a saudade...
Ao fazê-lo lembrei de ti e aquele mesmo suspiro veio...

Não sabia se deixava a folha em branco em menção ao vazio que fica quando estou sem você
Não sabia se descrevia todos os momentos e sensações que decerto ali não caberiam

Parei então e mais uma vez voltei minha atenção para dentro de  mim
e lá te vi...
Como sempre de tudo esqueci e fiquei a ouvir tua voz gostosa a sussurrar o que ecoa em mim e me faz viver

Com mais um suspiro veio a sensação do teu toque suave viciando minha pele
O ar mesmo sem querer ou poder trouxe teu cheiro

Meu corpo todo de imediato respondeu
Um tanto suado... um tanto trêmulo...

Vieram outros tantos sussurros
Vieram outras tantas lembranças

Chegou um sorriso
Chegou uma lágrima

Veio a vontade de você...
Uma alegria de te ter
O medo de te perder...

Larguei por fim o papel...

Se saudade é vazio
Não a conheço,
Sendo assim não a descrevo
Se saudade é tudo que por ti sinto no papel decerto não caberia

Se todos nossos momentos ainda são verdade vou esquecer a tal saudade
Ficarei com a verdade desse amor indescritível por natureza
Você em mim
Eu em você

A saudade que faz sofrer transforma-se em uma vontade louca de viver
Viver para ter mais de você